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Vovô Antonio |
Um homem que, com a sabedoria de marinheiro e com um coração repleto de generosidade, lutou e construiu uma história de vida muito bonita. Meu avô foi exemplo para mim em diversos momentos da minha vida.
Nos últimos anos de sua vida nos víamos pouco em
função da distância, mas sempre conversávamos ao telefone. Vovô estava em Indaiatuba/SP, próximo a dois anjos protetores: tia Vera (sua filha) e tio Zé Carlos (esposo da tia Vera e genro de vovô).
Mesmo aos 90 anos, mantinha a lucidez, inteligência e compreensão de dar inveja a muitos jovens.
Mesmo aos 90 anos, mantinha a lucidez, inteligência e compreensão de dar inveja a muitos jovens.
Dos meus tempos de criança em Registro/SP, lembro da casa do vô Antonio e da vó Maria sempre
cheia, hospedando o pessoal de Icapara* que ia para Registro resolver seus
assuntos pessoais devido a falta de recursos na região em que viviam (consultas médicas e exames clínicos e/ou laboratoriais na maioria das vezes).
Todos eram tratados como parte da família.
Lembro também das placas na frente da casa vendendo coisas, geralmente para ajudar outras pessoas.
Lembro também das placas na frente da casa vendendo coisas, geralmente para ajudar outras pessoas.
Vovô era muito querido e respeitado pelos demais
moradores do bairro em que vivia e pelos seus amigos.
Falecido no ano passado (03/05/2012), me sinto feliz por
ter dito toda a admiração que sinto por ele ainda em vida.
Com toda certeza, meu avô entrou direto no
paraíso, não somente pelo fato de ter ajudado a tantas pessoas, mas principalmente pelo homem de caráter que foi.
Recentemente tive acesso a um documento
assinado, contendo um agradecimento ao meu avô. Trata-se de uma carta
com um depoimento emocionante de uma outra pessoa que, pela profissão, sabedoria no domínio das palavras e fé no Senhor, foi um vencedor e também deve ter uma
bela história de vida.
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Jovem Antonio Bento |
Transcrevo a bonita carta logo em seguida, omitindo
e adaptando alguns nomes na tentativa de preservar o autor:
"Às
vezes quando estou sozinho em casa passo a recordar Icapara dos meus tempos de
menino. Vêm-me à mente nesses momentos de retiro da alma as pessoas antigas de
Icapara daqueles tempos. Recordo-me de algumas delas que gostavam de
ouvir as músicas de Tonico e Tinoco, à boca da noite, no enorme rádio de
madeira de Pernica. Trago também desenhada na minha mente, como um quadro
pintado, aquele grupo de pessoas idosas no Porto de Domingos Cubas, esperando
aportarem aí as canoas que vinham da pesca. Entre esse grupo o que mais me
chama à atenção é a lembrança do seu saudoso pai, Mané Bento**, com suas pernas
finas cruzadas sobre as raízes aéreas daquelas árvores que beiravam o barranco
do porto.
A
visão panorâmica de Icapara, hoje, está diferente daquela que nós conhecemos. O
"caminho grande" com figueiras e quaraguatás são coisas do passado.
Os anogueiros estão raros. As borboletas não encontram mais as flores das
alboninas, à beira do caminho, para repousar. A rapaziada não passeia mais, no
início das noites, entre a venda de Acelino Dantas e a casa de Totó Barbosa.
A
frondosa e antiga figueira dos fundos da sua casa, onde a garotada com bodoques
caçava os bonitos guaturamas de peitos amarelos, só existe na nossa imaginação.
Para
falar de Icapara dos nossos tempos seria necessário um livro volumoso. Tudo
isso é belo recordar porque faz parte da nossa juventude. Juventude pobre, sim,
mas muito rica no que se refere aos bons costumes reinantes naquela
inesquecível vizinhança.
A
finalidade desta carta, meu querido Antônio Bento, é recordar com profundo ato
de reconhecimento o seu gesto altamente humanitário, referente à minha pessoa, quando
eu não tinha ainda nove anos de vida, o que me leva a registrar nesta carta a
minha imorredoura gratidão.
Sou
levado a crer sinceramente que esse seu gesto piedoso tem ajudado a dignificar
os seus lindos longos anos de existência, movendo o nosso Deus a espalmar a mão
abençoando-o com sua infinita bondade.
Que
acontecimento foi esse, que você só vem saber 55 anos depois?
Com
calor nos olhos, sentindo a aproximação das lágrimas, como você sabe, Antônio,
o final do ano de 1949 palpita em mim como se tudo estivesse acontecendo no
momento presente. Falo brevemente do falecimento de meu pai, ocorrido em 17 de novembro do ano acima
apontado.
Deus
quis que ele me deixasse, ainda muito criança, com 8 anos, seis meses e cinco
dias de idade, com minha mãe e minha irmã, naquela casinha rústica que você
conheceu ali nas proximidades do rio Saldão, rente à Fonte do Morro.
Um
belo dia, lembro-me vivamente, seria dezembro de 1949, recebi de você um lindo
presente de natal, que iria permanecer no meu caminho durante toda a minha
existência, de modo impagável. Nesse dia, como enviado por Deus, aparece à
frente da minha casinha, no verdor dos seus vinte e três anos, a figura
simpática de você, Antônio Bento, chamando minha mãe, sua comadre, para me
tirar do sofrimento. A conversa entre você e mamãe, iria ela me dizer mais
tarde, foi esta: "Comadre, quero que a senhora e as crianças vão morar na
minha casa. Lá, o que eu e meus filhos comerem, a senhora e seus filhos também
comerão". Minha mãe, pensando mais em mim e na minha irmã, aceitou esse
bem dito convite.
Certamente
você estava vendo o padecimento de minha mãe com duas crianças, atravessando
dias difíceis, sem a presença de papai.
Na
sua casa ficamos até abril ou maio de 1950, quando mamãe foi colher arroz no
Quandoruquara para Nhá Joaquina de Cipião de Matos. Aí no Quandoruquara mamãe
conheceu José***, viúvo, com quem ela casou mais tarde. Depois disso fomos
morar na Ribeira.
Foi
este, Antônio Bento, o gesto humanitário praticado por você, referente à
pessoa, a quem acima me referi.
Esse
imenso favor que você me fez, só Deus pode dar-lhe a recomensa, como tem-lhe
dado.
55
anos depois venho dizer a você, Antônio Bento, aceitar a minha eterna gratidão
e em voz alta o meu muito obrigado.
Deus
o abençoe e continue ao seu lado em todos os momentos da sua vida.
31/08/2004
OBS:
Meu almoço hoje foi maravilhoso: Pirão de caldo de cabeça de corvina com limão
e molho de pimenta e arroz."
Espero que essa bela história inspire os corações para que pratiquem o bem ao próximo.
Fiquem com Deus.
*
Icapara: Bairro da cidade de Iguape
O nome do bairro é de origem tupi ('y = água;
ka'a = mata; pará = rio grande, mar) e foi o fundado pelo Bacharel de Cananéia,
um degredado de origem européia, tendo sido auxiliado por índios das redondezas
e por alguns desterrados portugueses. Remonta a 1577, a data que o povoado de
Icapara, foi elevado à categoria de Freguesia de Nossa senhora das Neves da
Vila de Iguape, quando foi aberto o primeiro Livro do Tombo da Igreja de Nossa
Senhora das Neves, construída em 1537, no local conhecido por Vila Velha, no
sopé do morro, chamado de "Outeiro do Bacharel", defronte a barra do
Icapara.
Alguns historiadores chegam a acreditar que
já havia europeus vivendo na região em 1498, mesmo antes do descobrimento do
Brasil por Pedro Álvares Cabral.
Mesmo assim, há registros da presença do
castelhano Ruy García Mosquera, juntamente com um grupo de pessoas vindos do
rio da Prata (atual Argentina). Os castelhanos chegaram a Iguape, aliaram-se a
Cosme Fernandes, conhecido como "Bacharel de cananeia" e ajudaram a
manter o povoado, que constantemente era atacado por naus piratas e corsárias.
Após alguns anos de existência onde hoje está a vila de Icapara, a falta de
água potável, a falta de espaço para expansão e eventuais ataques piratas
levaram à transferência da então Freguesia de Nossa Senhora das Neves de Iguape
do seu local original para outra área alguns quilômetros ao sul, por volta de
1611, por ordem do fidalgo português Eleodoro Ébano Pereira, para onde
atualmente situa-se o centro urbano do município, em uma sesmaria cedida pelo
donatário Francisco Alvares Marinho.
(Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Icapara)
**Mané
Bento: Manoel Bento Lopes, meu bisavô, pai de Antonio Bento
Lopes. Segundo o relato da carta, possuía pernas finas, assim como eu.
***José:
Nome
fictício para preservar o autor do documento.
Nota: Após contato de solicitação, o autor da carta autorizou sua divulgação.